terça-feira, 25 de agosto de 2009

O futsal é um todo integrado

Wilton Carlos de Santana
Mestre em Pedagogia do Movimento pela UNICAMP (SP)
Doutorando em Educação Física na Unicamp (SP)

Quando dou as minhas aulas na graduação, costumo apontar as diferenças conceituais e metodológicas de dois processos de ensino distintos: o centrado na técnica e o centrado na inteligência tática. Claude Bayer (1994), num livro clássico chamado “O ensino dos desportos colectivos”, chamou isso de concepções pedagógicas antagônicas (método tradicional e método ativo). Acerca dos detalhes de cada processo, em síntese, enquanto o segundo se apóia na crença de que a criança aprende a jogar jogando, investindo na iniciativa, o primeiro investe na idéia de que a criança deve aprender a praticar as habilidades para depois jogar, investindo na repetição. Estabelecida essa diferença conceitual, facilita deduzir que, metodologicamente, o professor que se afinar com a primeira idéia irá propor exercícios e o que se associar à segunda administrará jogos.

Até aí tudo bem. Nada de novo. Os estudantes compreendem as diferenças. Porém, quando se trata de ensinar, boa parte rechaça a opção de se investir na inteligência tática, o novo sempre assusta. Alguns resistem ao ponto de não aprender o que lhes apresento. O conteúdo novo não “cabe” no universo que têm. Eu compreendo a resistência. São anos de tecnicismo. O argumento mais freqüente que ouço é o seguinte: como a criança poderá jogar bem sem aprender, isoladamente, as habilidades de dominar, conduzir, driblar, passar, chutar? Nem mesmo as evidências de que gerações de crianças brasileiras aprenderam (e continuam aprendendo) futebol sem respeitar essa lógica e os argumentos de que Leônidas, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Pelé, Tostão, Rivelino, Zico e Romário, craques maravilhosos, também assim o aprenderam dão conta de derrubar aquela “tese”. Por extensão, para parte dos meus alunos, quando do ensino do futebol para crianças, ficar-se-ia inviável aprender a jogar jogando (mediante jogos e brincadeiras).

Isso posto, faço algumas ponderações. A idéia de que as crianças não aprendem a jogar jogando não se sustentaria nem se estas se matriculassem nas escolinhas “em branco”, o que, convenhamos, não acontece. Ora, ao se considerar que as crianças precisam aprender os gestos técnicos para depois jogar, como pensam alguns dos meus alunos, admite-se que aquelas nada sabem sobre isso. E ainda pior: resume-se o futebol, que é um jogo, a gestos! Trata-se, portanto, de um equívoco, pois em geral as crianças ao se iniciarem no futsal, em função das vossas histórias de vida e de a popularidade desse esporte, acumulam certa experiência em jogá-lo. Significa dizer que sabem dominar, conduzir, passar, driblar, finalizar e defender, mas, evidentemente, na maioria dos casos, de forma rudimentar. Porém suficiente para que possam aprender a jogar jogando e assim atualizem o que sabem.

Então é o seguinte: se a criança, ainda que de forma incipiente, consegue parar, conduzir, chutar, passar e recuperar a bola, ensinar futsal mediante jogos e brincadeiras é possível. De outro lado, se a criança não reunir um repertório de movimentos para dar conta disso, então é preciso construí-lo. A dica é analisar o que elas conseguem fazer e planejar um jogo, uma brincadeira, enfim, algo compatível. A atitude de planejar atividades para que as crianças aprendam as habilidades de forma integrada, no próprio jogo, sob formas menos complexas, tem a vantagem de associar, desde cedo, o gesto à intenção e a intenção ao gesto. O futsal é um todo integrado. Qualquer tentativa de reduzi-lo a um conjunto de técnicas é equivocada.