sábado, 26 de março de 2011

Tomada de decisão para goleiros de futebol

Situação fundamental e que deve ser trabalhada no dia-a-dia com o atleta dessa função
Adriano Silva Soares
Pouco se fala sobre treinamento tático do goleiro, sobretudo em relação à tomada de decisão, que possivelmente seja um diferencial fundamental para o êxito do goleiro e de sua equipe. Uma decisão acertada do goleiro em onde dar o passe, onde repor uma bola, sair jogando com a defesa ou ligação direta com o ataque, sair do gol ou não em um cruzamento, ajuda a definir uma partida.
Tomada de decisão é uma capacidade tática que exige habilidade e velocidade de movimento dos membros, a fim de executar tarefas na forma desejada o mais rápido possível, já que se a mesma for executada com atraso poderá acarretar em erro fatal para o goleiro. Atletas, diferentemente das demais pessoas, trazem consigo uma bagagem de experiências motoras que podem vir a auxiliá-los quando submetidos a determinadas situações, tais como quando precisam responder da maneira mais rápida possível a determinados estímulos. O treino, a prática contínua de uma atividade, faz com que se desenvolva velocidade tanto nos sistemas perceptivo, quanto motor.
Quando se consideram as exigências do futebol atual, faz-se necessário pensar na formação do goleiro que seja capaz de adaptar estrategicamente o seu comportamento motor às necessidades colocadas pela situação de jogo, assim como também estar capacitado para provocar, intencionalmente, alterações que lhe sejam favoráveis. Todas essas alterações de comportamento que visam maior rapidez no pensamento, no encontro de soluções, na percepção de erros e na decodificação de sinais emitidos durante o andamento dos jogos caracterizam a velocidade no mecanismo de tomada de decisão do movimento, ou seja, capacidade de receber um estímulo e executar rapidamente uma resposta motora adequada, sendo de fundamental importância que o goleiro seja capaz de, no menor tempo possível, selecionar, num caos de informações, aquelas que lhes são mais úteis para tomar a decisão correta e atingir o objetivo.
O tempo de reação que o goleiro levará para tomar uma decisão pode ser influenciado por alguns fatores:
Número de alternativas estímulo-resposta: quando o número de possibilidades de respostas aumenta a velocidade na tomada de decisão diminui. Assim, o número elevado de respostas possíveis pode levar a uma resposta que não se constitua na decisão mais correta.
Quando o goleiro faz uma saída do gol, por exemplo, ele terá várias alternativas, como: fazer uma reposição longa, reposição curta, colocar à bola no espaço vazio do campo de ataque, entre outras situações, e uma decisão incorreta poderá “pegar” sua equipe despreparada e acarretar em um gol da equipe adversária.
Compatibilidade estímulo-resposta: a velocidade na tomada de decisão está diretamente relacionada à compatibilidade entre o estímulo e a resposta. Há situações que a velocidade de reação disponível para que o goleiro dê uma resposta é insuficiente para que seja realizada uma defesa, como por exemplo em cobranças de pênalti, onde se a velocidade da bola for entre 60 a 80 Km/h é impossível a intervenção com êxito do goleiro, sendo totalmente assegurado o gol se a bola for enviada até 90 cm de qualquer uma das balizas laterais da meta, necessitando-se assim uma antecipação do goleiro para aumentar sua chance.
Quantidade de prática: quanto maior o vocabulário motor do goleiro, maior será a sua velocidade em executar uma resposta motora adequada ao estímulo. O goleiro deve usar técnicas variadas, várias alternativas para aumentar a incerteza do atacante, criando novas possibilidades de movimento, evitando a antecipação do atacante. Quanto maior a variedade de treinamentos, desde que sejam direcionados ao objetivo principal do goleiro, melhor para o desenvolvimento do mesmo.
Antecipação para minimizar atrasos: permite diminuir o tempo de resposta, porém, assume-se o risco de uma resposta errada. O exemplo: pode-se citar uma cobrança de pênalti, onde o goleiro, para aumentar a probabilidade de defender, deve antecipar o cobrador adversário para realizar a defesa. Essa antecipação não está relacionada a adiantar-se ou somente escolher um os lados da baliza e saltar, e sim buscar informações de acordo com a movimentação do cobrador para antecipar a direção do chute.
Tomar a decisão certa no momento certo é fundamental para goleiros de futebol, e isso deve ser trabalhado no dia-a-dia com o mesmo. Ao invés de treinos em que goleiros apenas reproduzem o mesmo movimento, é necessário também criar situações para que o mesmo tome decisões, como por exemplo dar-lhe alternativas pré-estabelecidas ou deixar livre para eles tomarem a decisão que acharem mais coerente com a situação.

A função do treinador de goleiros nesse momento é discutir com o goleiro o acerto e o erro, e lhe mostrar o melhor caminho.

*Adriano Soares é treinador de goleiros da equipe juvenil do Clube Atlético Mineiro, Pós-graduado em Treinamento Esportivo (UFMG) e membro do GEAF

terça-feira, 15 de março de 2011

O ambiente particular da preparação de goleiros de futebol

De treinamentos isolados, passando pela interação com outros departamentos, a árdua missão característica do jogador findado para evitar gols
Bruno Camarão
A coloração do uniforme destoa dos outros companheiros de time. Em campo, numa disputa, apenas um jogador – no caso, seu rival de mesma função – possui características e atributos semelhantes. O comportamento, a visão, o posicionamento, a condição física, o fato de manusear a bola com o aval da arbitragem, enfim, quase tudo, diferencia o goleiro dentro do ambiente futebolístico.
Diante de tantas peculiaridades, não seria possível um tratamento e um preparo comuns a quem tem a responsabilidade de fazer com que o momento máximo desse esporte não seja atingido fosse o mesmo dos outros dez atletas de linha que iniciam uma partida. E de fato não o é.
“Os treinamentos físico, técnico, tático e psicológico a cada dia se tornam mais individualizados. As avaliações permitem identificar as principais características dos atletas para a racionalização do treinamento. Hoje, a qualidade do treino é muito mais importante do que a quantidade para todos os jogadores, inclusive o goleiro. Diante do exposto, fica evidente que planejar o treino do goleiro é tarefa única, muito diferente dos demais jogadores que não podem jogar com as mãos”, analisa o Prof. Dr. José Alberto Aguilar Cortez, do Departamento de Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).
A prática constante dos treinamentos conduz o atleta a se sentir mais cômodo e habituado aos exercícios físicos mais intensos, ao domínio dos fundamentos e à assimilação teórica e prática dos desenvolvimentos táticos promovidos pela comissão técnica. Dentro dessa preparação específica do goleiro, há a necessidade de sistematização dos exercícios.
Posicionamento no gol, defesa rasteira frontal, defesa rasteira nos cantos, defesa à meia altura frontal, defesa à meia altura lateral, defesa alta frontal, defesa alta lateral, cobranças de pênalti, cobranças de falta com barreira, cobranças de falta sem barreira, cobranças de escanteio, cruzamentos e reposições, são procedimentos práticos que possibilitarão a qualificação do guarda-metas. Em meio à realização desses exercícios, há o ganho em valências físicas específicas, como impulsão, saltos, velocidade, flexibilidade, agilidade, coordenação, ritmo, tempo de reação, equilíbrio, força, e resistência.
“Muito se discute sobre metodologia do treinamento. Hoje se aplica muito o treinamento integrado, inclusive para o goleiro. O objetivo é criar situações que permitem associar o aprimoramento físico, técnico, tático e psicológico. Entretanto, não se descarta o treinamento individualizado para atender objetivos específicos e corrigir aspectos técnicos típicos da posição”, aponta Cortez.
No trabalho cotidiano nas principais agremiações do país, há uma incongruência entre o período de isolamento e precisão de atividades para os goleiros e o restante do elenco, que é abordado pelos outros membros da comissão. O diálogo e o acordo entre todos os representantes do departamento, porém, minimizam eventuais perdas interativas e definem as melhores escolhas.
“Hoje em dia, a estrutura de comissões técnicas dos clubes tem mudado muito. Está acabando a idéia de o treinador levar todos os profissionais e estamos caminhando para uma realidade em que ele levará no máximo o auxiliar e o preparador físico. Os clubes estão se estruturando com profissionais alinhados com seus projetos e perspectivas. Isso vale para os treinadores de goleiros, que têm cada vez mais uma ligação com as equipes”, explica Guilherme Macuglia, atual treinador do América-RN.
Na equipe do Rio Grande do Norte, ao lado de Wlamir Machado, repete procedimento que realizara no São Caetano, equipe dirigiu na disputa da Série B do último Campeonato Brasileiro. No ABC, Luiz Fernando Zurlo é quem atua como preparador de goleiros há quase três anos, e seu conhecimento da realidade do clube conferia uma integração positiva com o staff de Macuglia.
O trabalho integrado feito, com uma programação semanal que contempla atividades de todo o elenco, é base de um planejamento específico para os goleiros.
“A partir desse planejamento global, nós definimos quando os goleiros vão ser necessários no trabalho técnico e quando podem ficar fazendo um trabalho específico”, completa Macuglia.
“Nos meus times, o treinador de goleiro é quem escala o goleiro que irá participar dos jogos. Gosto que ele esteja sempre em contato com as categorias de base do time. Por isso, junto com os profissionais, sempre está o goleiro titular do time júnior”, afirma Vagner Benazzi, ex-técnico da Portuguesa, que costuma se reunir com o preparador particular daquela posição após falhas do titular e hipotética substituição na meta.

Posição diferente da adotada de Carlos Alberto Silva, experiente técnico, que já passou por grandes do Brasil e exterior e foi campeão nacional com o Guarani, do interior do Estado de São Paulo. Na visão dele, a importância desse integrante é relevante, mas não a ponto de definir o posto do camisa 1.
“O treinador de goleiros é uma pessoa especializada, um profissional que possui certa independência dentro da comissão técnica da equipe para fazer aquilo que ele achar conveniente. No entanto, apesar dessa independência relativa, o treinador da equipe é quem tem sempre a última palavra”, argumenta.
“Geralmente, os técnicos procuram os seus respectivos treinadores de goleiros e discutem o que devem fazer durante os treinamentos para que a equipe trabalhe em sintonia”, complementa Silva, que avalia o trabalho de resistência, força, flexibilidade e saída de jogo como essenciais para o sucesso na função.
Os exercícios para melhorar a flexibilidade, capacidade e qualidade que o atleta tem para executar movimentos de grande amplitude angular por si mesmo ou sob influência auxiliar de forças (WEINECK, 1994), podem ser executados de quatro maneiras: estaticamente, balisticamente, passivamente e segundo o método de contração-relaxamento. A velocidade é a capacidade, segundo a base da mobilidade dos processos do sistema neuromuscular e da faculdade inerente à musculatura, de desenvolver força, de executar ações motoras em um mínimo de tempo, colocadas sob condições mínimas. Ela, também é determinada por quatro fatores: velocidade de reação, faculdade de aceleração, velocidade de ação e velocidade de resistência.
A velocidade de reação se refere ao tempo necessário para o acionamento das forças musculares após a chegada do estímulo via receptores sensoriais. A faculdade de aceleração constitui a capacidade mais importante do corredor e se refere à aceleração que o atleta consegue desenvolver depois de iniciada a corrida, para chegar no seu limite máximo de velocidade de ação.
A velocidade de ação é a capacidade que um atleta tem de se deslocar com máxima rapidez. A velocidade de resistência é a capacidade que tem o atleta de desenvolver uma velocidade de ação e mantê-la por um período de tempo mais longo (WEINECK, 1994).
Um programa de treinamento de força deve utilizar pesos livres combinados com outros meios de treinamento, como medicine-balls, aparelhos e saltos direcionados. A potência acíclica, como expressão da força, é fundamental naqueles desportos que exigem decolagens (saltos). Para o desenvolvimento desta potência acíclica, a carga fica entre 50 e 80% da força máxima com os movimentos executados rapidamente. Recomenda-se de quatro a seis séries com um intervalo de descanso de 3 a 5 minutos para uma recuperação quase completa (BOMPA, 2002, p. 348).
A resistência pode se subdividir em diversas modalidades, conforme o ponto de vista escolhido. Quanto à especificidade do esporte, a resistência se subdivide em geral e especial. Quanto à mobilização de energia muscular, a resistência se subdivide em aeróbia e anaeróbia.
Capacidade de ordenar as forças externas e internas que surgem no decorrer de um movimento para conseguir o efeito de trabalho desejável, a coordenação motora é habilita o atleta para dominar de maneira segura e econômica ações motoras nas situações “previsíveis e imprevisíveis”, possibilitando um aprendizado mais eficaz e em menor espaço de tempo de determinados movimentos esportivos.

Leia mais:
Bibliografia
BARRETO, João Alberto. Psicologia do Esporte para Atleta de Alto Rendimento. Rio de Janeiro: Shape, 2003.
BECKER, Benno. Manual de Psicologia do Esporte e do Exercício. Porto Alegre: Nova Prova, 2000.
BOMPA, T. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. 4. ed. São
Paulo: Phorte, 2002.
CARLESSO, Raul Alberto. Manual de treinamento do goleiro. Rio de Janeiro: Palestra Edições, 1981. 175 p.
RÚBIO, Kátia. Encontros e Desencontros: Descobrindo a Psicologia do Esporte. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
SAMULSKI, Dietmar. Psicologia do Esporte. São Paulo: Manole, 2002.
TUBINO, Manoel J.G. Metodologia Científica do Treinamento Desportivo. 11ª ed. São Paulo: Ibrasa, 1984.
WEINBERG, R. S.; GOULD, D. Fundamentos da psicologia do esporte e do
exercício. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.
WEINECK, J. Manual de treinamento desportivo. São Paulo: Manole, 1994.
*Colaboraram Guilherme Costa e Marcelo Iglesias