terça-feira, 15 de março de 2011

O ambiente particular da preparação de goleiros de futebol

De treinamentos isolados, passando pela interação com outros departamentos, a árdua missão característica do jogador findado para evitar gols
Bruno Camarão
A coloração do uniforme destoa dos outros companheiros de time. Em campo, numa disputa, apenas um jogador – no caso, seu rival de mesma função – possui características e atributos semelhantes. O comportamento, a visão, o posicionamento, a condição física, o fato de manusear a bola com o aval da arbitragem, enfim, quase tudo, diferencia o goleiro dentro do ambiente futebolístico.
Diante de tantas peculiaridades, não seria possível um tratamento e um preparo comuns a quem tem a responsabilidade de fazer com que o momento máximo desse esporte não seja atingido fosse o mesmo dos outros dez atletas de linha que iniciam uma partida. E de fato não o é.
“Os treinamentos físico, técnico, tático e psicológico a cada dia se tornam mais individualizados. As avaliações permitem identificar as principais características dos atletas para a racionalização do treinamento. Hoje, a qualidade do treino é muito mais importante do que a quantidade para todos os jogadores, inclusive o goleiro. Diante do exposto, fica evidente que planejar o treino do goleiro é tarefa única, muito diferente dos demais jogadores que não podem jogar com as mãos”, analisa o Prof. Dr. José Alberto Aguilar Cortez, do Departamento de Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).
A prática constante dos treinamentos conduz o atleta a se sentir mais cômodo e habituado aos exercícios físicos mais intensos, ao domínio dos fundamentos e à assimilação teórica e prática dos desenvolvimentos táticos promovidos pela comissão técnica. Dentro dessa preparação específica do goleiro, há a necessidade de sistematização dos exercícios.
Posicionamento no gol, defesa rasteira frontal, defesa rasteira nos cantos, defesa à meia altura frontal, defesa à meia altura lateral, defesa alta frontal, defesa alta lateral, cobranças de pênalti, cobranças de falta com barreira, cobranças de falta sem barreira, cobranças de escanteio, cruzamentos e reposições, são procedimentos práticos que possibilitarão a qualificação do guarda-metas. Em meio à realização desses exercícios, há o ganho em valências físicas específicas, como impulsão, saltos, velocidade, flexibilidade, agilidade, coordenação, ritmo, tempo de reação, equilíbrio, força, e resistência.
“Muito se discute sobre metodologia do treinamento. Hoje se aplica muito o treinamento integrado, inclusive para o goleiro. O objetivo é criar situações que permitem associar o aprimoramento físico, técnico, tático e psicológico. Entretanto, não se descarta o treinamento individualizado para atender objetivos específicos e corrigir aspectos técnicos típicos da posição”, aponta Cortez.
No trabalho cotidiano nas principais agremiações do país, há uma incongruência entre o período de isolamento e precisão de atividades para os goleiros e o restante do elenco, que é abordado pelos outros membros da comissão. O diálogo e o acordo entre todos os representantes do departamento, porém, minimizam eventuais perdas interativas e definem as melhores escolhas.
“Hoje em dia, a estrutura de comissões técnicas dos clubes tem mudado muito. Está acabando a idéia de o treinador levar todos os profissionais e estamos caminhando para uma realidade em que ele levará no máximo o auxiliar e o preparador físico. Os clubes estão se estruturando com profissionais alinhados com seus projetos e perspectivas. Isso vale para os treinadores de goleiros, que têm cada vez mais uma ligação com as equipes”, explica Guilherme Macuglia, atual treinador do América-RN.
Na equipe do Rio Grande do Norte, ao lado de Wlamir Machado, repete procedimento que realizara no São Caetano, equipe dirigiu na disputa da Série B do último Campeonato Brasileiro. No ABC, Luiz Fernando Zurlo é quem atua como preparador de goleiros há quase três anos, e seu conhecimento da realidade do clube conferia uma integração positiva com o staff de Macuglia.
O trabalho integrado feito, com uma programação semanal que contempla atividades de todo o elenco, é base de um planejamento específico para os goleiros.
“A partir desse planejamento global, nós definimos quando os goleiros vão ser necessários no trabalho técnico e quando podem ficar fazendo um trabalho específico”, completa Macuglia.
“Nos meus times, o treinador de goleiro é quem escala o goleiro que irá participar dos jogos. Gosto que ele esteja sempre em contato com as categorias de base do time. Por isso, junto com os profissionais, sempre está o goleiro titular do time júnior”, afirma Vagner Benazzi, ex-técnico da Portuguesa, que costuma se reunir com o preparador particular daquela posição após falhas do titular e hipotética substituição na meta.

Posição diferente da adotada de Carlos Alberto Silva, experiente técnico, que já passou por grandes do Brasil e exterior e foi campeão nacional com o Guarani, do interior do Estado de São Paulo. Na visão dele, a importância desse integrante é relevante, mas não a ponto de definir o posto do camisa 1.
“O treinador de goleiros é uma pessoa especializada, um profissional que possui certa independência dentro da comissão técnica da equipe para fazer aquilo que ele achar conveniente. No entanto, apesar dessa independência relativa, o treinador da equipe é quem tem sempre a última palavra”, argumenta.
“Geralmente, os técnicos procuram os seus respectivos treinadores de goleiros e discutem o que devem fazer durante os treinamentos para que a equipe trabalhe em sintonia”, complementa Silva, que avalia o trabalho de resistência, força, flexibilidade e saída de jogo como essenciais para o sucesso na função.
Os exercícios para melhorar a flexibilidade, capacidade e qualidade que o atleta tem para executar movimentos de grande amplitude angular por si mesmo ou sob influência auxiliar de forças (WEINECK, 1994), podem ser executados de quatro maneiras: estaticamente, balisticamente, passivamente e segundo o método de contração-relaxamento. A velocidade é a capacidade, segundo a base da mobilidade dos processos do sistema neuromuscular e da faculdade inerente à musculatura, de desenvolver força, de executar ações motoras em um mínimo de tempo, colocadas sob condições mínimas. Ela, também é determinada por quatro fatores: velocidade de reação, faculdade de aceleração, velocidade de ação e velocidade de resistência.
A velocidade de reação se refere ao tempo necessário para o acionamento das forças musculares após a chegada do estímulo via receptores sensoriais. A faculdade de aceleração constitui a capacidade mais importante do corredor e se refere à aceleração que o atleta consegue desenvolver depois de iniciada a corrida, para chegar no seu limite máximo de velocidade de ação.
A velocidade de ação é a capacidade que um atleta tem de se deslocar com máxima rapidez. A velocidade de resistência é a capacidade que tem o atleta de desenvolver uma velocidade de ação e mantê-la por um período de tempo mais longo (WEINECK, 1994).
Um programa de treinamento de força deve utilizar pesos livres combinados com outros meios de treinamento, como medicine-balls, aparelhos e saltos direcionados. A potência acíclica, como expressão da força, é fundamental naqueles desportos que exigem decolagens (saltos). Para o desenvolvimento desta potência acíclica, a carga fica entre 50 e 80% da força máxima com os movimentos executados rapidamente. Recomenda-se de quatro a seis séries com um intervalo de descanso de 3 a 5 minutos para uma recuperação quase completa (BOMPA, 2002, p. 348).
A resistência pode se subdividir em diversas modalidades, conforme o ponto de vista escolhido. Quanto à especificidade do esporte, a resistência se subdivide em geral e especial. Quanto à mobilização de energia muscular, a resistência se subdivide em aeróbia e anaeróbia.
Capacidade de ordenar as forças externas e internas que surgem no decorrer de um movimento para conseguir o efeito de trabalho desejável, a coordenação motora é habilita o atleta para dominar de maneira segura e econômica ações motoras nas situações “previsíveis e imprevisíveis”, possibilitando um aprendizado mais eficaz e em menor espaço de tempo de determinados movimentos esportivos.

Leia mais:
Bibliografia
BARRETO, João Alberto. Psicologia do Esporte para Atleta de Alto Rendimento. Rio de Janeiro: Shape, 2003.
BECKER, Benno. Manual de Psicologia do Esporte e do Exercício. Porto Alegre: Nova Prova, 2000.
BOMPA, T. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. 4. ed. São
Paulo: Phorte, 2002.
CARLESSO, Raul Alberto. Manual de treinamento do goleiro. Rio de Janeiro: Palestra Edições, 1981. 175 p.
RÚBIO, Kátia. Encontros e Desencontros: Descobrindo a Psicologia do Esporte. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
SAMULSKI, Dietmar. Psicologia do Esporte. São Paulo: Manole, 2002.
TUBINO, Manoel J.G. Metodologia Científica do Treinamento Desportivo. 11ª ed. São Paulo: Ibrasa, 1984.
WEINBERG, R. S.; GOULD, D. Fundamentos da psicologia do esporte e do
exercício. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.
WEINECK, J. Manual de treinamento desportivo. São Paulo: Manole, 1994.
*Colaboraram Guilherme Costa e Marcelo Iglesias

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