quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Futebol e inclusão social

Entrevista com Antonio Jorge Gonçalves Soares, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador da Faperj/CNPQ.
 
1) De que forma o esporte se relaciona com os jovens moradores de comunidades carentes?
 
O esporte é um elemento cultural que se relaciona com esses jovens como qualquer outro. Ele está ligado com desejo de prática daqueles esportes que são oferecidos pelos equipamentos ou pela cultura local. Se houver espaço para se jogar futebol, se joga; se houver pra vôlei, se joga vôlei.
Ele se relaciona da mesma forma para todas as classes, no sentido de socialização. O esporte serve para estar com os amigos, ganhar prestígio dentro do grupo, principalmente se tem corte de sexo. Em geral, os meninos têm um capital social no convívio com os seus colegas, sejam os habilidosos ou aqueles que organizam o jogo. As crianças e jovens vão conviver em torno dele dependendo das oportunidades do local para desenvolver a sociabilidade.
 
2) Por que o esporte, principalmente o futebol, ainda é visto como um “salvador” dos jovens moradores de comunidade?
 
Essa é uma mensagem cultural que é falsa em termos estatísticos. Oriento um grupo de pesquisa de alunos da UFRJ, financiado pela Faperj e pelo CNPQ, e a gente publicou um artigo na revista Juventude mostrando que, segundo dados da CBF, quase 90% dos atletas que estão no mercado do futebol profissional ganham de um a três salários mínimos.
O esporte entra nas Public Schools, no século XIX para tentar atenuar os processos de violência dos jovens, a violência corporal. Ele é desenvolvido na sociedade nas escolas para formar os “gentis homens” – gentlemen- e entra como uma forma de organização da juventude, como se pudesse canalizar as energias violentas para uma forma mais simbólica, que é vencer o outro, ser melhor, uma violência menos nefasta.
E essa mensagem do poder civilizador do esporte está presente até os dias de hoje. Se observarmos, quando essa mensagem fala do esporte como redentor tem duas coisas que estão vinculadas quando ligam esporte às classes populares. Primeiro, elas são vistas como classes perigosas, pessoas que vivem em ambientes culturais de risco. Como se todos que estivessem naquele ambiente estivessem mais propensos a se desviarem da “normalidade”. Por outro lado, esse argumento se torna um dos pontos do processo civilizador, que é a mensagem do século XIX, ou seja, refrear os impulsos violentos e canalizar as atividades corporais. Segundo Nobert Elias, o esporte é a mimese da violência, mas não a violência física, tem limites.
Os exemplos divulgados são os de crianças pobres que entraram em projetos esportivos e se tornaram grandes atletas. Mas alguns estudos demonstram que o esporte salva os já salvos. Um exemplo está no livro Notas etnográficas de um aprendiz de boxe, da Editora Record, que mostra que os atletas que conseguem se manter em um bairro pobre de Chicago lutando boxe são os que têm condições de vida familiar razoáveis para que o cara mantenha a prática do esporte e tenha boa alimentação. Eu diria com tranqüilidade que o esporte salva os já salvos.
A pesquisa que meu grupo está realizando no Rio de Janeiro procura mostrar como os atletas de futebol equilibram a formação esportiva nos clubes de primeira e segunda divisões com as tarefas escolares. Quando olhamos o nível socioeconômico, a maioria possui renda acima de 2000 reais/família, ou seja, não são ricos, mas também não são miseráveis. Alguns podem pensar que isso é pouco para viver bem, mas considerando a sociedade brasileira, não se pode chamar essas pessoas de miseráveis.
Se você toma os anos de escolaridade, que é um indicador mais forte do que renda, os atletas tem cerca de 1,7 anos a mais do que a população em geral do Rio de Janeiro na mesma faixa etária -417 atletas, de 12 a 20 anos, de um universo de cerca de 5000-, o que indica que eles têm maior permanência na escola do que os não-atletas em geral. Mas isso não se dá em função do esporte, provavelmente está mais ligado a cultura e a renda da família desses atletas. Até porque manter o filho na escola pressupõe um custo, mesmo na escola pública.
O que acontece com o futebol é que quando os atletas vão ficando mais velhos, com 15, 16 anos, eles migram do ensino diurno para o noturno em função do futebol ser prioridade na vida deles. Eu considero isso uma escolha razoável, já que a maioria está em escolas públicas que não tem grande qualidade, mesmo que se dedicassem com mais afinco.
O tempo médio gasto entre escola e treinamento por um atleta, contando jogos, treinamento e deslocamento casa-clube, é de cerca de 50 horas semanais, sendo meio a meio escola e clube. Conforme a idade vai aumentando, o tempo com a escola tende a diminuir e o com esporte aumentar.
 
3) Existem políticas públicas sendo realizadas nessas áreas a fim de potencializar essa “adoração” pelo futebol e seus ídolos?
 
Não diria que existe alguma política publica que faz isso. Diria que essa construção que foi dada ao longo do século XX e se estende aos dias atuais foi dada no âmbito da cultura. É claro que também houve agenciamentos políticos em alguns momentos. Um exemplo disso é quando o Brasil se organizou pra receber a Copa do Mundo de 1950. Eu diria que é um movimento que se inicia com as classes médias do século XIX, numa sociedade de espetáculo, e o futebol foi se tornando um elemento central da sociabilidade masculina. Ou seja, ser homem, na sociedade brasileira, passa por ter uma identificação clubística, ter uma experiência com futebol, que hoje em dia se estende até as mulheres.
É uma construção bem complexa que se dá a partir de uma interação entre desejos de indivíduos e divulgação midiática de todos os níveis, além das políticas locais dos próprios clubes. É claro que as políticas governamentais procuram se associar a boa imagem que o futebol tem na sociedade. O que uma ONG como a do Jorginho faz quando realiza um projeto tipo “Gol de Letra” é potencializar a imagem do futebol para realizar os objetivos do próprio projeto.
A política publica quando faz um projeto desportivo como o “Segundo Tempo”, no qual um dos argumentos é dar educação esportiva e tirar as crianças da rua, se está reafirmando o discurso redentor supracitado. Ao mesmo tempo, existe a ideia de que o jovem precisa ter seu
tempo ocupado, regido pela máxima “cabeça vazia, tabernáculo do diabo”. De certa forma, a política publica se “cola” ao futebol com essa imagem. Ou seja, são classes em situação de risco e jovens que precisam ser ocupados. Esse discurso vai de um lado ao outro.
 
4) De que forma as atitudes de jogadores importantes como Bruno e Adriano reflete nesses jovens?
 
Em termos morais, se reflete positivamente! Mostra que o herói não é infalível, são humanos que cometem barbaridades.
Existe uma pedagogia inconsciente por trás que diz “não maltratem as mulheres”, “não se resolvem problemas matando outro”. Talvez esse exemplo negativo, numa sociedade como a do Rio, que apesar de viver sob a tensão da violência, a repudia, o caso Bruno tenha um efeito humanizador do herói.
Por outro lado, tem o viés negativo bastante explorado, que é mostrar que o pobre e o favelado não têm estrutura psicológica para o sucesso, para a fama. Pegam esse exemplo isolado do Bruno para, de novo, falar que as classes populares são descontroladas e desequilibradas. Eu acho isso ruim porque reforça o preconceito que existe com as classes populares. Uma moral burguesa que pega esse caso pro reafirmar seus preceitos, através do discurso da mídia, dos botequins, até dos corredores universitários.
Como eu acredito na justiça, não posso dizer que ele cometeu esse crime até que ele seja julgado e condenado, apesar da sociedade já ter feito isso. O CRP fez uma coisa muito interessante que foi repudiar os psicólogos que falaram sobre o Bruno sem conversar com ele e ter elementos jurídicos para fazer uma avaliação mais aprofundada

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